A aprovação da Emenda Constitucional n.º 132/2023 e a sua subsequente regulamentação pela Lei Complementar (LC) n.º 214/2025 trouxeram a maior mudança no sistema fiscal brasileiro das últimas décadas. Contudo, a complexidade da transição gerou desinformação.
Este artigo disseca tecnicamente os cinco principais pontos de debate, confrontando o senso comum com o texto legal oficial.
1. A Alíquota de 26,5%: Aumento Real ou Mudança de Cálculo?
O Mito: A nova alíquota de referência de 26,5% (soma do IBS e CBS) representa um aumento brutal da carga fiscal, já que muitos setores pagam menos atualmente.
A Verdade Técnica: A mudança principal reside na metodologia de cálculo: a transição do cálculo “por dentro” para o cálculo “por fora”.
- Análise Detalhada: No sistema antigo, o ICMS de 18% era cobrado “por dentro” (o imposto integrava a sua própria base de cálculo), o que resultava numa carga efetiva real próxima de 22% a 24%.
- Validação Oficial: A LC n.º 214/2025 adota o sistema de Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) Dual, onde a alíquota é aplicada sobre o valor líquido do produto (“por fora”). Embora a alíquota nominal de 26,5% pareça superior, ela traz transparência. O objetivo, validado pelo Ministério da Fazenda, é manter a carga tributária global neutra, eliminando a tributação em cascata que encarecia o produto final sem que o consumidor percebesse.
2. O Apocalipse do Sector de Serviços
O Mito: A Reforma irá “destruir” o setor de serviços ao equiparar a sua tributação à da indústria.
A Verdade Técnica: Ocorre um reequilíbrio sistémico com regimes favorecidos para áreas essenciais e profissionais liberais.
- Análise Detalhada: Historicamente, a indústria brasileira era sobretaxada enquanto os serviços tinham uma carga menor. A reforma corrige essa distorção, mas protege serviços críticos.
- Validação Oficial: O texto regulamentar (baseado no PLP 68/2024 e consolidado na lei) estabelece redutores de alíquota específicos:
- Redução de 60%: Para serviços de Educação, Saúde, dispositivos médicos e acessibilidade.
- Redução de 30%: Para 18 categorias de profissionais liberais (advogados, engenheiros, contabilistas, etc.), desde que submetidos a fiscalização por conselhos de classe. Isso mitiga o impacto direto no prestador de serviço intelectual.
3. O Fim do Simples Nacional
O Mito: As micro e pequenas empresas perderão a competitividade e o Simples Nacional será extinto.
A Verdade Técnica: O Simples Nacional mantém-se constitucionalmente protegido, ganhando uma nova modalidade “híbrida” para aumentar a competitividade B2B.
- Análise Detalhada: As empresas no Simples podem continuar a recolher impostos na guia única como fazem hoje. A novidade técnica é a opcionalidade.
- Validação Oficial: A LC n.º 214/2025 permite que a empresa do Simples opte por recolher o IBS e a CBS pelo regime “regular” (fora da guia única) apenas nestes impostos.
- Porquê fazer isto? Ao pagar “por fora”, a empresa gera crédito integral para o seu cliente (outra empresa). Isso acaba com o “efeito resíduo”, onde grandes empresas evitavam contratar fornecedores do Simples por estes gerarem poucos créditos fiscais.
4. O Split Payment e o Bloqueio de Caixa
O Mito: O sistema de pagamento fracionado (Split Payment) vai congelar o fluxo de caixa das empresas, retendo o dinheiro da venda antes de chegar à conta.
A Verdade Técnica: O modelo brasileiro foi desenhado como um “Split Payment Inteligente”, superior aos modelos europeus padrão.
- Análise Detalhada: O receio era que o imposto fosse retido na totalidade da venda bruta. No entanto, o sistema interliga-se com a gestão dos meios de pagamento e a base de dados do Fisco.
- Validação Oficial: Conforme os artigos sobre a operacionalização do IBS/CBS, a retenção ocorre apenas na liquidação financeira da transação (cartão, Pix, boleto) e, crucialmente, o sistema consulta previamente os créditos tributários da empresa. Se a empresa tiver créditos acumulados (de compras anteriores), o sistema não retém o imposto, preservando a liquidez e o capital de giro do negócio.
5. A Reforma Penaliza os Mais Pobres
O Mito: A unificação dos impostos vai encarecer a cesta básica e prejudicar as famílias de baixa renda.
A Verdade Técnica: A reforma introduz um mecanismo inédito de justiça fiscal progressiva: o Cashback Tributário.
- Análise Detalhada: Em vez de isentar produtos de luxo consumidos por ricos (como ocorria com alguns itens da antiga cesta básica), a devolução é focada no consumidor.
- Validação Oficial: Para famílias inscritas no CadÚnico (Cadastro Único), a lei garante a devolução do imposto pago:
- 100% de devolução da CBS e 20% do IBS para bens essenciais como gás de cozinha (GPL), energia elétrica, água e saneamento.
- 20% de devolução (CBS + IBS) para os restantes bens de consumo.
- Isto beneficia diretamente cerca de 72 milhões de brasileiros, tornando o sistema tributário, pela primeira vez, menos regressivo.
Conclusão
A transição para o modelo de IVA Dual (IBS/CBS) não é isenta de desafios operacionais e exigirá uma adaptação tecnológica significativa das empresas nos próximos anos (período de transição até 2033). No entanto, tecnicamente, a reforma elimina ineficiências históricas como a cumulatividade e a guerra fiscal, sem validar os cenários catastróficos frequentemente disseminados.
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