Se você trabalha com documentos fiscais eletrônicos ou na área tributária, provavelmente já usou o famoso “lançamento interno” ou uma “nota de débito comercial” (sem valor fiscal) para cobrar uma diferença de preço ou juros de um cliente. Com a Reforma Tributária, essa prática está com os dias contados.
A partir da implementação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), entram em cena dois novos protagonistas obrigatórios: a Nota Fiscal de Débito e a Nota Fiscal de Crédito.
Neste artigo, analisei as recentes Notas Técnicas e publicações jurídicas para detalhar o que são, quando usar e, principalmente, os riscos que ninguém está te contando sobre o split payment.
O que muda no conceito?
Até hoje, quando precisávamos ajustar um valor para maior (como um erro de preço) ou cobrar encargos, muitas vezes recorríamos a documentos não fiscais ou cartas de correção (que têm limitações). Na nova sistemática do IVA Dual (IBS e CBS), a rastreabilidade deve ser total.
Segundo as diretrizes da NT 2025.002 e análises da TecnoSpeed e Reforma Tributária 360, as definições são claras:
- Nota Fiscal de Débito (Finalidade 6): Deve ser emitida quando há um aumento no valor do imposto devido.
- Exemplo: Você vendeu algo por R$ 100,00, mas o preço correto era R$ 110,00. Ou houve cobrança de juros e multas pós-faturamento. A Nota de Débito formaliza esse acréscimo e gera o débito do imposto para o emitente (e o crédito para o destinatário).
- Nota Fiscal de Crédito (Finalidade 5): Utilizada para reduzir o valor do imposto devido ou anular uma operação parcialmente.
- Exemplo: Descontos incondicionais concedidos após a emissão da nota original ou devoluções parciais que geram direito a estorno do imposto.
Atenção: Essas notas são exclusivas para ajustes de IBS e CBS. Para ICMS e IPI, a regra geral continua sendo a legislação atual, proibindo o uso desses novos modelos para estes impostos específicos, salvo futuras exceções legais.
Aplicação Prática: Quando emitir?
Confrontando as fontes consultadas, montei um resumo das situações que exigirão esses documentos obrigatoriamente a partir de janeiro de 2026 (para o regime geral) e 2027 (para o Simples Nacional/MEI):
- Variação Cambial e Reajustes: Diferenças de preço em contratos de longo prazo.
- Encargos Financeiros: Cobrança de multas e juros por atraso no pagamento agora exigem emissão de Nota de Débito, tributando o IBS/CBS sobre esses valores.
- Pagamento Antecipado: A legislação aponta a necessidade de documentar adiantamentos que fixam o fato gerador.
- Recusa e Retorno: Em casos de não localização do destinatário ou recusa do recebimento, a Nota de Crédito será o instrumento para estornar o débito original.
O “Pulo do Gato”: Riscos Jurídicos e o Split Payment
Aqui entra a análise mais crítica, baseada nos reflexos jurídicos apontados pelo Conjur e Grant Thornton. A emissão dessas notas não é apenas uma burocracia de TI; ela mexe diretamente com o fluxo de caixa devido ao Split Payment.
No novo modelo, o pagamento da nota fiscal poderá ser dividido automaticamente pelo banco: uma parte vai para o fornecedor e a outra direto para o governo.
- O perigo da Nota de Crédito: Se você emitir uma Nota de Crédito para cancelar uma venda ou dar um desconto, o sistema precisará “devolver” o imposto que já foi retido no split payment. Juristas alertam para a necessidade de uso de contas garantidoras (escrow accounts) nos contratos para evitar que o vendedor fique sem o dinheiro e sem a mercadoria enquanto a burocracia do Fisco processa a compensação.
- Defesa do Adquirente: Há um risco real de o fornecedor não recolher o imposto corretamente em operações ajustadas. A recomendação é blindar os contratos e sistemas para garantir que o crédito do adquirente seja preservado (baseado na boa-fé, Súmula 509 do STJ), mesmo que haja falha no recolhimento da outra ponta.
Como se preparar (Checklist Técnico)
Para desenvolvedores e gestores fiscais, a lição de casa imediata envolve:
- Atualizar o ERP: Preparar o sistema para as novas finalidades da NFe (
finNFe=5efinNFe=6). - Revisar Contratos: Incluir cláusulas sobre quem arca com o ônus financeiro durante o processamento de notas de crédito e devoluções.
- Saneamento de Processos: Eliminar o uso de “notas de débito” financeiras (aquelas de papelaria) para qualquer operação que envolva ajuste de valor tributável. O Fisco não reconhecerá ajustes não documentados no XML.
Conclusão
As Notas de Débito e Crédito vêm para “limpar” a contabilidade, eliminando ajustes manuais e garantindo que cada centavo de imposto tenha um documento eletrônico correspondente. Embora pareça apenas mais uma obrigação acessória, ela é a base para que sua empresa recupere impostos pagos a maior (via Nota de Crédito) ou evite multas por omissão de receita (via Nota de Débito).
A recomendação é clara: revise seus sistemas agora. Em 2026, o “jeitinho” de ajustar valores no financeiro não funcionará mais.
Referências Bibliográficas
GRANT THORNTON. Notas fiscais de Débito e Crédito. Disponível em: https://www.grantthornton.com.br/insights/artigos-e-publicacoes/notas-fiscais-de-debito-e-credito/. Acesso em: 16 dez. 2025.
KANNING, Bruna. Notas Fiscais de Débito e Crédito na Reforma Tributária: Estrutura, Finalidade e Aplicação Prática. Reforma Tributária 360, 26 nov. 2025. Disponível em: https://reformatributaria360.com.br/bruna-kanning/notas-fiscais-de-debito-e-credito-na-reforma-tributaria-estrutura-finalidade-e-aplicacao-pratica/. Acesso em: 16 dez. 2025.
LEGALE EDUCACIONAL. Créditos Fiscais e a Nova Obrigação Acessória na Reforma (Análise baseada em artigo do Conjur de 29 nov. 2025). Disponível em: https://legale.com.br/blog/creditos-fiscais-e-a-nova-obrigacao-acessoria-na-reforma/. Acesso em: 16 dez. 2025.
TECNOSPEED. Notas Fiscais de Débito e Crédito na Reforma Tributária: O que são, quando usar e o que muda na prática. Blog da TecnoSpeed. Disponível em: https://blog.tecnospeed.com.br/notas-fiscais-de-debito-e-credito-na-reforma-tributaria/. Acesso em: 16 dez. 2025.
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