Na vigência do ICMS/IPI, uma devolução era basicamente uma operação de anulação que “acertávamos” na escrituração fiscal (SPED). Com a chegada do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) em 2026, a lógica muda drasticamente.
Na nova Apuração Assistida, instituída pela Lei Complementar 214/2025, o Fisco não espera você “declarar” que houve uma devolução. Ele “lê” o XML da Nota Fiscal de Devolução (finalidade 4) e processa automaticamente o estorno do débito ou do crédito na conta gráfica do contribuinte. Se o XML não for um “espelho” perfeito da operação original, seu cliente pagará imposto indevido ou ficará com saldo travado.
Neste artigo técnico, vamos detalhar como tratar a devolução de compras e vendas, as regras de transição para 2026 e o impacto financeiro do Split Payment nessas operações.
O Conceito de “Espelhamento”
A premissa básica da devolução no novo sistema é a simetria absoluta. Para que a Apuração Assistida anule os efeitos da operação original, a NF-e de devolução deve replicar:
- Base de Cálculo e Alíquotas: Devem ser idênticas às da nota referenciada.
- CST e cClassTrib: A manutenção desses códigos é vital para que o sistema do Comitê Gestor identifique a natureza da operação.
- Referência (refNFe): O vínculo com a chave de acesso da nota original deixa de ser apenas uma “boa prática” e torna-se o elo criptográfico que autoriza o estorno financeiro.
Cenário A: Devolução de Compra (Mercadoria Errada do Fornecedor)
Quando seu cliente recebe uma mercadoria errada e precisa devolvê-la, ele está anulando uma entrada que gerou um crédito de IBS/CBS.
- No XML (Saída de Devolução): O seu software deve emitir uma NF-e (finNFe=4) destacando o IBS/CBS exatamente como vieram na entrada.
- Efeito na Apuração: Ao autorizar essa nota, o sistema do Fisco lança automaticamente um Débito na conta do seu cliente, anulando o Crédito que foi apropriado na entrada.
- Ponto de Atenção para Devs: Se o seu sistema calcular o imposto da devolução “recriando” a base (ex: aplicando a alíquota atual do dia), haverá divergência. O sistema deve ler o XML de entrada e copiar os valores de
vIBSevCBS.
Cenário B: Devolução de Venda (Cliente devolvendo mercadoria)
Este é o cenário mais crítico financeiramente devido ao Split Payment.
Quando seu cliente vendeu, o imposto foi recolhido (retido) no momento da liquidação financeira. Agora, ao receber a mercadoria de volta, ele precisa recuperar esse dinheiro.
- Fluxo Financeiro: Ao emitir a entrada de devolução (ou receber a nota de devolução do cliente), o valor do imposto não volta automaticamente para a conta bancária da empresa via Split Payment reverso.
- Recuperação do Valor: O valor do IBS/CBS destacado na devolução entra como um Crédito na conta gráfica do contribuinte no portal do Comitê Gestor. Esse crédito poderá ser usado para abater impostos de vendas futuras ou ser objeto de pedido de ressarcimento (cashback para a empresa), com prazos que variam de 3 a 60 dias dependendo do perfil do contribuinte.
- Processo Interno: Seu ERP precisa alertar o financeiro que, embora a venda tenha sido cancelada, o caixa “encolheu” pelo valor do imposto, e esse valor agora é um ativo fiscal no portal da RFB.
A “Zona Cinzenta” da Transição (2025-2026)
Como devolver em Janeiro de 2026 uma mercadoria comprada em Dezembro de 2025 (quando ainda não havia IBS/CBS)?
A legislação e as Notas Técnicas preveem uma regra de transição:
- Se a nota referenciada (
refNFe) for de um período anterior à vigência do IBS/CBS, a nota de devolução não deve destacar esses novos tributos. - Validação: A SEFAZ validará a data da chave de acesso referenciada. Se você tentar destacar IBS numa devolução de nota de 2025, poderá ocorrer rejeição ou inconsistência na malha fiscal.
- Adaptação no Delphi: Seu algoritmo de devolução precisará de um IF condicional:Delphi
// Exemplo conceitual (pseudocódigo) if YearOf(DataEmissaoNotaReferenciada) < 2026 then // Regra antiga (ICMS/IPI apenas) else // Regra nova (Preenche Grupo W03 com IBS/CBS)
Checklist de Adaptação para Software Houses
- Trava de Proporcionalidade: Em devoluções parciais, seu sistema deve calcular proporcionalmente os valores de IBS e CBS. Erros de arredondamento aqui gerarão pendências na Apuração Assistida.
- Validação de
finNFe: Bloqueie o uso de finalidade “1-Normal” para operações que são, de fato, devoluções. A Apuração Assistida trata “Normal” e “Devolução” com regras de sinal (débito/crédito) opostas. - Auditoria de XML de Terceiros: Ao importar um XML de devolução de um cliente, valide se os valores batem com a venda original antes de aceitar a mercadoria. Se o cliente emitiu errado, o prejuízo fiscal será da sua empresa (no caso, do seu cliente).
Conclusão
A devolução na Reforma Tributária deixa de ser um mero procedimento logístico para ser uma operação financeira de recuperação de ativos. Para o desenvolvedor, o desafio é garantir a integridade dos dados entre a origem e o destino, pois na Apuração Assistida, o XML é, literalmente, o dinheiro do imposto.
Referências Técnicas
- Base Legal: Lei Complementar nº 214/2025 (Artigos sobre estorno e compensação).
- Manual Técnico: Nota Técnica 2025.002 v.1.33 (Leiaute e Regras de Validação do IBS/CBS).
- Procedimentos: Cartilha de Apuração do IBS e CBS (Comitê Gestor/RFB).
Descubra mais sobre Régys Borges da Silveira
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
Dê-nos sua opinião, seu comentário ajuda o site a crescer e melhorar a qualidade dos artigos.