A integração de Inteligência Artificial (LLMs como GPT-4, Claude ou Gemini) no fluxo de trabalho de desenvolvimento transcendeu a fase de curiosidade. Para desenvolvedores Delphi que mantêm sistemas de missão crítica — ERPs, emissores fiscais e PDVs — a IA não deve ser vista como um substituto do programador, mas como um arquiteto assistente e um automatizador de boilerplate.
Neste artigo, vamos explorar uma abordagem pragmática e tecnicamente embasada sobre como utilizar a IA para resolver três gargalos comuns em projetos Delphi de médio e grande porte: a refatoração de queries SQL legadas para alta performance, a geração de camadas de DTO (Data Transfer Objects) e a implementação de persistência em lote de alto desempenho com FireDAC (Array DML).
Otimização de SQL: O Papel do “DBA Virtual”
O desempenho de uma aplicação Delphi é, frequentemente, refém do banco de dados. Queries escritas há anos, muitas vezes sem levar em conta a cardinalidade atual das tabelas, tornam-se ofensores de performance.
A IA possui uma capacidade notável de analisar a semântica de uma query SQL. Ela entende o intuito do código, o que nos permite solicitar refatorações estruturais profundas.
O Conceito de Sargability e CTEs
Muitas queries legadas falham na Sargability (Search ARGument ABILITY) — a capacidade de um predicado SQL utilizar índices. Funções no WHERE (ex: WHERE Year(Data) = 2023) ou subqueries correlacionadas destroem a performance.
Ao invés de pedir para a IA apenas “melhorar o código”, devemos ser técnicos no prompt.
Prompt:
“Atue como um DBA Sênior especialista em [Firebird 3.0 / SQL Server / PostgreSQL]. Analise a query abaixo.
Diagnóstico: A query sofre de alta latência e table scans. Objetivo: Listar vendas diárias agrupadas por filial.
Ações Exigidas:
- Reescreva a query substituindo subqueries correlacionadas por CTEs (Common Table Expressions) ou Window Functions para melhorar a legibilidade e permitir que o otimizador do banco crie um plano de execução melhor.
- Verifique a Sargability dos filtros de data.
- Baseado nos
JOINseWHERE, sugira a criação de índices compostos específicos (ex:CREATE INDEX ... INCLUDE ...) para cobrir esta consulta.[Colar SQL Aqui]”
O Resultado: A IA frequentemente transformará laços lógicos complexos em operações de conjunto (Set-based operations), sugerindo CROSS APPLY (SQL Server) ou LATERAL (Postgres/Firebird 4.0), construções que muitos desenvolvedores evitam pela complexidade sintática, mas que são vitais para performance.
Da Tabela ao Objeto: Gerando DTOs Ricos
Em arquiteturas modernas (MVC, MVVM ou Clean Architecture), não devemos trafegar componentes visuais ou TDataSet (que possuem forte acoplamento com a DB) pelas camadas de regra de negócio. O correto é utilizar objetos anêmicos ou ricos (DTOs/POCOs).
Escrever classes que espelham tabelas é um trabalho manual propenso a erro humano (tipagem incorreta). A IA automatiza isso com precisão, inclusive adicionando meta-dados (Attributes/RTTI).
Prompt:
“Tenho a seguinte DDL da tabela
VENDAS_ITENS. Gere uma classe Delphi moderna.Requisitos Técnicos:
- Utilize encapsulamento
strict private.- Mapeie os tipos de dados do banco para os tipos nativos do Delphi corretamente (ex:
NUMERIC(18,2)paraCurrencyouDouble).- Adicione Atributos Customizados (simulando um micro-ORM) no formato
[Campo('NOME_DB', Tipo, Tamanho)].- Gere um método
AssignFrom(ADataSet: TDataSet)para hidratação rápida.- Para campos nullable, utilize
Variantou documente a possibilidade de nulo.[Colar CREATE TABLE Aqui]”
Exemplo de Código Gerado:
type
[TTable('VENDAS_ITENS')]
TVendaItemDTO = class
strict private
FId: Integer;
FIdVenda: Integer;
FValorUnitario: Currency;
FQuantidade: Double;
public
[Campo('ID', ftInteger, 0)]
property Id: Integer read FId write FId;
[Campo('VALOR_UNITARIO', ftCurrency, 0)]
property ValorUnitario: Currency read FValorUnitario write FValorUnitario;
procedure AssignFrom(ADataSet: TDataSet);
end;
procedure TVendaItemDTO.AssignFrom(ADataSet: TDataSet);
begin
Self.Id := ADataSet.FieldByName('ID').AsInteger;
Self.ValorUnitario := ADataSet.FieldByName('VALOR_UNITARIO').AsCurrency;
// IA completa o restante...
end;
Isso garante padronização e elimina “magic strings” espalhadas pelo código.
Performance Extrema com FireDAC Array DML
Aqui reside o verdadeiro ganho para programadores avançados. Ao realizar inserções em lote (ex: importar um XML de NFe com 100 itens), o padrão comum é fazer um loop iterando e chamando ExecSQL. Isso gera 100 roundtrips de rede.
O FireDAC possui o recurso Array DML, que envia todos os parâmetros em um único pacote de rede. A sintaxe, porém, é verbosa e difícil de memorizar. A IA resolve isso instantaneamente.
Prompt para o Padrão Repository:
“Crie uma classe
TVendaRepositoryutilizando FireDAC. Implemente um métodoBulkInsertItens(ALista: TObjectList<TVendaItemDTO>).Requisito Crítico de Performance: Utilize o recurso Array DML do FireDAC (
Params.ArraySize) para enviar todos os registros em uma única execução. Não faça loops deExecSQL. Configure os parâmetros usando a sintaxe de array (ex:AsIntegers[i]). Inclua controle transacional (StartTransaction/Commit).”
O Código Otimizado Gerado:
procedure TVendaRepository.BulkInsertItens(ALista: TObjectList<TVendaItemDTO>);
var
i: Integer;
begin
FConnection.StartTransaction;
try
FQuery.SQL.Text := 'INSERT INTO VENDAS_ITENS (ID_VENDA, VALOR, QTD) VALUES (:PID, :PVALOR, :PQTD)';
// Configura o tamanho do Array DML (O Segredo da Performance)
FQuery.Params.ArraySize := ALista.Count;
for i := 0 to ALista.Count - 1 do
begin
// Note a sintaxe de array: AsIntegers[i]
FQuery.ParamByName('PID').AsIntegers[i] := ALista[i].IdVenda;
FQuery.ParamByName('PVALOR').AsCurrencies[i] := ALista[i].ValorUnitario;
FQuery.ParamByName('PQTD').AsFloats[i] := ALista[i].Quantidade;
end;
// Executa N registros de uma única vez
FQuery.Execute(ALista.Count, 0);
FConnection.Commit;
except
FConnection.Rollback;
raise;
end;
end;
Utilizar Array DML pode reduzir o tempo de inserção de milhares de registros de segundos para milissegundos. Ter a IA gerando esse boilerplate garante que você utilize o recurso sem perder tempo consultando a documentação da Embarcadero a cada nova implementação.
Conclusão
A utilização de IA no desenvolvimento Delphi não é sobre pedir para ela “escrever o sistema”, mas sim utilizá-la para aplicar padrões de engenharia que, manualmente, seriam custosos demais.
Ao combinar a Inteligência Artificial com o poder do FireDAC e boas práticas de SQL, elevamos a qualidade do código, reduzimos a dívida técnica e, principalmente, entregamos aplicações mais rápidas e robustas para o usuário final.
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