Fonte: R7.com.br
Para combater a sonegação de impostos praticada por brasileiros que fazem compras no exterior, a Receita Federal será muito mais rígida com esses passageiros. Segundo decisão anunciada em setembro, as companhias aéreas repassarão ao órgão informações relativas ao viajante, tais como peso da bagagem, origem e duração da viagem, entre outras informações. Para especialistas em direito entrevistados pelo R7, a medida é importante para impedir que a lei seja burlada, mas, por outro lado, pode configurar invasão de privacidade.
De acordo com a medida — que deve entrar em vigor no primeiro semestre de 2015 —, os dados sobre o viajante serão cruzados com outras informações da Receita como, por exemplo, a declaração do Imposto de Renda.
Utilizando ainda informações sobre viagens anteriores e até uma tecnologia de biometria facial, a Receita pretende montar uma lista dos passageiros que podem ter estourado o limite de compras no exterior e, em razão disso, devem passar pela fiscalização.
O tributarista Ives Gandra Martins afirma que, do ponto de vista jurídico, as mudanças ferem o princípio da privacidade, que é um direito garantido pela própria Constituição brasileira.
— Eu acho que é inconstitucional do ponto de vista exclusivamente doutrinário, estritamente jurídico.
Mas ele pondera e diz que entende a lógica da Receita de não parar todos os brasileiros que retornam de viagens internacionais.
— Ou para todo mundo, o que iria levar um tempo que corresponderia a uma viagem internacional de São Paulo a Buenos Aires, ou então ela [Receita] teria que fazer por amostragem. Eu compreendo, é mais fácil por amostragem.
O tributarista acrescenta que o próprio STF (Supremo Tribunal Federal) tem relativizado essa questão do sigilo de dados. Ives se refere à Lei Complementar 105/2001 que permite a quebra de sigilo quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso.
Martins acrescenta que, na prática, o sigilo tem sido quebrado independentemente de autorização judicial. Ele esclarece que, no próprio Supremo, há uma contestação que considera essa lei inconstitucional, mas que não foi julgada até o momento.
— O Supremo já flexibilizou. Há juízes, inclusive, que admitem a lei complementar 105 que permite que se possa quebrar um sigilo bancário.
Para ele, a estratégia do órgão aduaneiro é a seguinte:
— Não tenho funcionários, não tenho como fiscalizar quem faz comércio internacional. Eu vou utilizar isso [a fiscalização dos passageiros] na esperança de que o supremo relativize o direito à privacidade.
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Já Thiago Santos — especialista em direito internacional e direito aduaneiro do escritório Martinelli Advocacia — diz que essas regras mais rigorosas de fiscalização existem nos Estados Unidos e na Inglaterra. Mas lá isso acontece com o foco principalmente na imigração, até porque a tributação de mercadorias nesses países não é tão grande.
Ele afirma, contudo, que essa nova regulamentação não expõe o cidadão.
— Desde que esses dados sejam trabalhados com determinado sigilo, eu não entendo que tenha uma invasão de privacidade de ninguém. Agora, se vazar a informação ou se eles se utilizarem dessas informações, desses critérios sem ser fiscais, a gente pode falar de invasão de privacidade.
Santos ainda reforça que o órgão já tem acesso aos dados das contas bancárias das pessoas e que essa questão da quebra de sigilo é um assunto atual.
— Não tem uma decisão do judiciário final sobre isso até o momento. Eu penso que o posicionamento tende a ser nos próximos anos a entender que ter acesso a esses dados é necessário para que a Receita Federal cumpra com a função fiscalizatória dela.
O professor do MBA Executivo em Finanças do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) Otto Nogami tem uma postura mais firme e afirma que as regras afetam, sim, a individualidade da pessoa e critica a estratégia.
— Está violando a individualidade, ao cercear a liberdade dele [turista]… Se está fazendo tudo isso para pegar uma meia dúzia? [Vai] gastar tempo e fazer investimento desnecessário que poderia ser mais aproveitado na fronteira física.
Em um dos poucos momentos em que comentou o assunto, pois o órgão tem tratado a questão com certo sigilo e sem dar grandes detalhes por enquanto, o subsecretário de Aduana e Relações Internacionais da Receita, Ernani Checcucci, informou que o grande objetivo dessas medidas é dar tratamento hábil para o passageiro comum e proteger a indústria.
— O que está se buscando neste processo é a proteção da indústria nacional, do emprego nacional. Os produtos que entram sem tributação e vão a comércio estão com uma competição desleal na economia.
As novas regras da Receita incluem até uma tecnologia de biometria facial. Na hora do desembarque, a identificação do passageiro acontece por meio da foto do passaporte. Quando o viajante passar pelo sistema, será feita a visualização dele e o reconhecimento. O investimento foi de R$ 15 milhões no equipamento. Confira as mudanças abaixo.
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